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bambi,
necrópsia na selva

mentoria de ines saber,
kim coimbra e renato turnes

daniel olivetto

Sou um ator com uma formação atravessada pelo que chamamos de dramaturgia de processo, uma forma de criação diferente da tradição de “montar um texto”, uma obra previamente escrita. Nesses processos, junto à Cia. Experimentus, na qual trabalho há 26 anos, nossas escolhas por adaptar uma obra ou criar uma dramaturgia a partir de memórias e inquietações pessoais, sempre se deu de forma horizontal, buscando criar trabalhos a partir do que nos move como coletivo. 

 

Em 2019, chegando aos 40 anos, começo a me perguntar como nunca falei sobre questões de sexualidade em dramaturgias de processo. Quem somos nós em um coletivo e o que deixamos fora de enquadramento quando uma obra não é sobre nós, individualmente? Desde então, passei a me dedicar a uma produção pessoal de escritas e performances sobre memórias de infância e dissidências do sistema sexo-gênero, me colocando em diálogo com referências e procedimentos de diferentes linguagens artísticas.

 

Nesta residência dou continuidade a um processo dramatúrgico a partir do romance “Bambi - Uma vida na floresta” (1923), de Felix Salten, em diálogo com a escrita de Bertolt Brecht e seu “teatro épico”, fazendo uso de recursos narrativos como: o distanciamento, a presença do coro, a escrita episódica e outros.

sinopse

O filhote e sua mãe atravessam o descampado em disparada. Ouve-se um tiro de espingarda. Essa foi a última vez que Bambi viu sua mãe. Ele segue com o pai, que surge em meio à neblina. “Agora você vem comigo” - o pai diz ao filho que não o conhecia.

Começo meu processo nessa residência com o propósito de escrever um solo, uma estrutura que estabelece diversas limitações para a escrita. Em contato com Inês, Kim e Renato nas mentorias, a certeza sobre ser um solo veio abaixo. Várias questões pessoais se entrelaçam a essa questão. Atualmente não leciono de forma regular, não ensaio nem estou em cartaz com nenhum espetáculo, estou em meio à escrita de uma tese de doutorado sobre infâncias e dissidências, ou seja, todo o meu trabalho nesse momento tem sido em casa sozinho. Por que eu escreveria um solo nesse momento? Será que quero mesmo montar um outro solo? Produzir um espetáculo sozinho aqui do escritório, viajar eu e mais um técnico? Começo a achar que me enfiei numa arapuca, algo muito ruim até pra própria saúde - quem precisa passar tanto tempo sozinho?

 

O que era para ser um solo, se tornou um começo de dramaturgia para 8 personagens e 1 coro, e as possibilidades de escrita se ampliaram imediatamente. Estabeleço que a peça começa após a morte da mãe, passagem emblemática da obra de Salten e da adaptação para as telas feita pela Disney em 1942, e que acabou por popularizar a obra de Salten como uma história para crianças. Lembro de ler que Stephen King, o grande escritor de romances de terror, certa vez afirmou que o Bambi da Disney poderia ser considerado o primeiro filme de terror para crianças da história. Há outras histórias curiosas sobre Bambi, como o relato do cineasta Quentin Tarantino, que diz ter assistido ao filme quando criança com a mãe e que a obra o traumatizou. Nunca se sabe quando uma obra para crianças pode estimular um menino a se tornar um diretor de filmes sanguinolentos. 

 

Essas e outras histórias passam a fazer parte da dramaturgia no novo formato que escrevo a partir dessa residência. Elas vão para a boca de uma drag queen chamada Helena Coragem. Na peça, ela é uma espécie de Kassandra, a heroína trágica, amaldiçoada a prever o futuro sem que as pessoas acreditassem em suas visões. Em umas das cenas, Helena conta à família de Bambi o que essa história representará no futuro.

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Por ora, compartilho esse primeiro depoimento sobre o processo e, a seguir, a abertura da peça, na qual podemos começar a visualizar a ambientação da história e seus personagens.

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